Casa

 

CASA

Hérika Souza¹


        Durante minha infância minha casa era enorme. No terraço eu brincava, gostava de soltar pipa. Mas soltar pipa dizem que é coisa de menino, pelo menos era o que me falavam quando era criança (e eu acreditava, no terraço quase ninguém me via, então não tinha problema). Na varanda também dava pra brincar, correr, andar de patinete, foi onde dei minhas primeiras voltinhas de bicicleta, ainda com rodinhas. A sala era lugar de assistir desenho animado cedinho, minha mãe fazia achocolatado e eu nunca consegui preparar um igual ao dela, era e sempre será especial e único. A tarde era hora da “Sessão da Tarde”. Às vezes a sala também era lugar de dançar. Na copa era onde fazia as atividades da escolinha, chegava da aula ansiosa para fazer os trabalhinhos. Houve um tempo que o quarto dos meus pais era onde eu dormia e me sentia protegida, não gostava de dormir sozinha no meu. Tinha o quarto dos meus irmãos também, mas lá não tinha muita graça, nem sempre eu era bem-vinda, era um território deles e não meu... E assim era para cada cômodo, cada um reunindo vivências e momentos diferentes...

            Cresci um pouco e minha casa era um pouco menor. A sala era local do cochilo depois de chegar da escola e almoçar. Na copa eu ficava brincando no computador, as redes sociais começaram a fazer parte do cotidiano, Orkut e MSN. A varanda da casa era apenas local de passagem. Mais tarde, já adolescente e estudando na parte da manhã e tarde, o quarto virou lugar de finalizar as atividades da escola na parte da noite e dormir.

                Agora, já adulta, minha casa é ainda menor. Passando por uma pandemia e em uma realidade de isolamento social, no meu quarto eu trabalho, estudo, leio, ouço música. Tem a cozinha para os horários de almoço e café. Pouco tempo sobra para os outros espaços.

                O engraçado é que sempre morei na mesma casa. 23 anos de vida, 23 anos em uma mesma casa. Conforme fui crescendo, ela foi diminuindo, mas todos os cômodos continuaram com a mesma forma e tamanho de sempre, no entanto foram se ressignificando com o passar do tempo, uns se tornando mais presentes, outros mais ausentes, mas as lembranças de cada cômodo permanecem. Talvez devesse explorar, assim como quando criança, cada cômodo novamente.

            Sou grata por ter feito desta casa um dos meus lugares de infância. Meu desejo é que todas as crianças também tenham uma casa e que seja um lugar de afeto e boas memórias, que possam fazer de suas casas uma festa, um templo, uma escola, um restaurante, um lugar de amor criativo, como nos ensina Cora Coralina:

Faz da tua casa uma FESTA:

Ouve música, canta, dança.

Faz da tua casa um TEMPLO:

Reza, ora, medita, pede, agradece, louva, suplica...

Faz da tua casa uma ESCOLA:

Lê, escreve, desenha, pinta, estuda, aprende, ensina...

Faz da tua casa uma LOJA:

Limpa, arruma, organiza, decora, etiqueta, muda de lugar, vende, doa...

Faz da tua casa um RESTAURANTE:

Cozinha, come, prova, cria receitas, cultiva temperos, planta uma horta...

Enfim...faz da tua casa, da tua família, UM LUGAR DE AMOR CRIATIVO.



                                                        Paisagem da varanda


¹Universidade Federal de Juiz de Fora - UFJF (herikatsouza@gmail.com)

 


Comentários

  1. Belíssimo texto, Hérika. Parabéns! É lindo ler um texto assim, sensível e sincero!

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